Exposição cria espaço de reflexão sobre a Inquisição portuguesa e os cristãos-novos

A exposição “Ler a Inquisição em tempos de intolerância” prosseguirá em cartaz até  sábado (12-11-22), no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (MAUC),  com horário de visitação de 9 ao meio-dia. Às 10 horas, terá visita guiada com o curador Nilton Melo Almeida. Na quinta (10) e sexta-feira (11), o horário é de 8:00 às 12:00 e de 13:00 às 17:00. O acesso é gratuito.

A mostra objetiva criar um espaço que possibilite ampliar o conhecimento e a compreensão sobre uma das mais longevas instituições da Época Moderna, destacando seus reflexos no Brasil Colônia e, em especial, no Ceará. Foi pensada em torno do acervo de dois mil títulos sobre os temas Inquisição, judeus, cristãos-novos e intolerância, pertencente ao jornalista e historiador Nilton Melo Almeida, curador da exposição. Desses, cerca de 150 livros estão expostos.

A realização é do Grupo de Pesquisa Diáspora Atlântica dos Sefaraditas (GPDAS), ligado ao Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe. Apoiam a iniciativa o CHAM Centro de Humanidades, vinculado à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa e à Universidade dos Açores, a Associação Cearense de Imprensa (ACI) e o MAUC. O projeto expográfico é de Edelson Diniz.

Com forte caráter pedagógico, o evento destina-se a estudantes e professores universitários e do Ensino Médio, pesquisadores, nomeadamente os dos campos da História, Filosofia, Sociologia, Antropologia e Etnografia, bem como ao público em geral. As imagens serão legendadas com textos do curador e de convidados, a exemplo de Lyslei Nascimento (Universidade Federal de Minas Gerais), Marcos Silva (Universidade Federal de Sergipe), Suzana Severs (Universidade do Estado da Bahia) e Dodora Guimarães (Instituto Sérvulo Esmeraldo). A exposição deveria ter ocorrido em 2021, quando celebraram-se os duzentos anos de extinção do Santo Ofício pelas Cortes Portuguesas. A pandemia da Covid provocou alterações no calendário do MAUC.

A Inquisição foi implantada em Portugal em 1536, inicialmente para punir os cristãos-novos – judeus que haviam sido batizados à força por ordem de dom Manuel I ou seus descendentes -, mas que continuavam a manter, no segredo do lar, práticas judaicas aprendidas com seus pais e avós. A estrutura inquisitorial ampliou-se e, aos poucos, passou a perseguir, além das “heresias” das “raças de sangue infecto” (judeus, mouros, negros e índios), outros tipos de pecados, como a bigamia, feitiçaria, sodomia e solicitação.

Para Nilton Almeida, idealizador do projeto e curador da exposição, “na essência da mostra, emerge a lição de Hannah Arendt, para quem ‘compreender significa encarar a realidade, espontânea e atentamente, e resistir a ela – qualquer que seja, venha a ser ou possa ter sido’”.  Nesse sentido, explica, “pensamos em construir um espaço de reflexão sobre a intolerância religiosa, sobre o racismo, sobre o preconceito e sobre o antissemitismo, como mentalidades sustentadoras de estruturas de poder (civil e religioso) que excluíram minorias, sejam étnicas, sejam religiosas”.

Livros, revistas e catálogos

A biblioteca especializada sobre a Inquisição portuguesa, Judaísmo, cristãos-novos e intolerância, formada pelo curador, contém aproximadamente dois mil títulos. Há primeiras edições, brochuras, revistas ilustradas, artigos, coleções e documentos. O acervo permite conhecer os principais autores das matérias em Portugal e no Brasil, contemplando dissertações, teses, romances, biografias, estudos, interpretações e catálogos.

Capas de livros criativas, ilustrações impactantes e títulos instigantes constituem elementos capazes de mostrar como uma instituição pode intrometer-se na vida privada, pretexto de um projeto de nação fundamentado numa suposta “fé única e verdadeira”, o catolicismo romano.

Nesse tópico sobre livros, sobressai a Torá, em torno da qual se desenvolveu a “guerra de mentalidades”, pois a Lei de Moisés foi o ponto chave das “heresias” praticadas pelos cristãos-novos. As manifestações heréticas incluíam práticas secretas do criptojudaísmo como: respeitar o Shabat e não comer carne de porco e peixe de couro, preceitos expressos no livro sagrado dos judeus, o Pentateuco, ou Antigo Testamento para os cristãos. Há outras práticas não referidas no Pentateuco, mas que abundam nos processos inquisitoriais: varrer a casa de frente para trás, por exemplo.

Anjos judeus

            Artistas cearenses participam da exposição com representações de elementos da Inquisição. Francisco de Almeida, por exemplo, criou cinco xilogravuras com intervenções (três de 1,52m x 3,10m e duas de 3,10m x 0,51). Nessas obras, o artista retrata sua imaginação sobre os autos-de-fé, momento das aplicações das penas impostas aos réus pelos inquisidores, anjos judeus e símbolos do cristianismo com os quais os cristãos-novos foram forçados a conviver.

Mestre da foto pintura, Júlio Santos retratou personagens, dentre reis, papas e figuras com participação relevante na Inquisição ou aqueles que a combateram. Alguns exemplos: Manuel I e João III, o primeiro decretou a expulsão dos judeus de Portugal, e o segundo implantou a Inquisição no Reino; padre Antônio Vieira, defensor dos judeus e de cristãos-novos; Marquês de Pombal, que inspirou dom José a extinguir a distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos; e Alexandre Herculano, o “historiador da Inquisição”.

Mapa, fogueira e sambenitos

A exposição apresenta um mapa-múndi, com 2,86m de altura por 4,59m de largura registrando a geografia da Inquisição ao identificar países e cidades onde a Inquisição atuou mais fortemente. Esse elemento ajudará o público a visualizar a atuação da Instituição em territórios no Reino ou na Colônia.

Também foi erguida uma fogueira sobre a qual cairão livros, simbologia para a percepção de que somente o conhecimento pode evitar obscurantismos. Quem observar a fogueira no sentido do norte para o sul, verá uma perspectiva do Terreiro do Paço, onde os inquisidores queimavam condenados pela Inquisição. Lugar simbólico de Lisboa, o Terreiro do Paço, atualmente visitado por milhões de turistas, foi palco nos séculos XVI, XVII e XVIII de autos-de-fé nos quais os inquisidores queimavam os condenados e, no dia seguinte, jogavam suas cinzas no rio Tejo.

Ao lado da imagem do Terreiro do Paço, encontram-se representações de sambenitos, a indumentária a que os condenados pela Inquisição eram obrigados a vestir, criadas pelo estilista Lindebergue Fernandes. Os sambenitos representavam motivo de grande opróbio, pois simbolizavam uma marca violenta e segregadora em relação ao restante da população. Até mesmo ser mendigo era difícil para quem vestia um sambenito. Já o estandarte do Santo Ofício, com a cruz, a espada e o ramo de oliveira e que era levado à frente das procissões dos autos-de-fé, foi criado pela bordadeira Margarida Maria Gonçalves da Silva.

Ao trazer a temática para a atualidade, a exposição destaca matrizes de cristãos-novos dos quais descendem muitos estabelecidos no Ceará. São os “netos” dos processados pelo Santo Ofício que vieram à tona com as leis espanhola e portuguesa que concedem a naturalização aos que provam descenderem das antigas comunidades sefarditas perseguidas em Espanha e em Portugal.

Curador

Nilton Melo Almeida é jornalista e historiador, investigador correspondente do CHAM Centro de Humanidades, vinculado à FCSH da Universidade Nova de Lisboa e à Universidade dos Açores, integra o Grupo de Pesquisa Diáspora Atlântica dos Sefaraditas (GPDAS), vinculado ao Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe. É diretor de Biblioteca e Hemeroteca da ACI. Publicou Os ferroviários da cartografia de Fortaleza: rebeldes pelos caminhos de ferro (Secult, 2012), Judeus no Ceará (Intermeios, 2016) e Cristãos-novos, seus descendentes e Inquisição no Ceará (Expressão Gráfica, 2021), este último resultado de sua tese de doutorado defendida em 2016 na Universidade Nova de Lisboa.

Serviço

ACESSO GRATUITO

Data: Visitação até sábado, 12 de novembro de 2022

Quinta (10-11)) e sexta-feira (11-11): de 08:00 às 12:00 e de 13:00 às 17:00

Sábado:  De 9:00 às 12:00 –  Visita guiada pelo curador Nilton Melo Almeida às 10h

Local: Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (MAUC)

           Avenida da Universidade, 2854, bairro Benfica, em Fortaleza

Telefone: (55) 85.33667481

Contato

Nilton Melo Almeida: [email protected] e (85) 98892-6449

Fotos – Felipe Goes