Jornalismo e assessoria no caso Chacina do Curió


 
O país inteiro agora sabe da Chacina do Curió graças a um trabalho que envolveu comunicação institucional, assessoria de imprensa e reportagem. O crime ocorreu em novembro de 2015, quando 11 pessoas foram assassinadas na Grande Messejana, em Fortaleza. Os acusados do crime são 34 policiais militares, dos quais 30 foram encaminhados a júri popular.

No primeiro júri, que começou na terça-feira, 20, e terminou na madrugada de domingo, 25 de junho, os primeiros quatro réus julgados foram condenados a 275 anos e 11 meses cada um. Por meio do rádio, jornais, impressos, tevês e portais, o Brasil soube da história de dor e luta das Mães e Familiares do Curió, de uma das maiores matanças promovidas pela polícia brasileira e da maior sentença já aplicada a um militar na justiça cearense até agora.

A pauta enquanto a justiça não vem 

Desde o dia do crime, a chacina sempre foi pauta na mídia cearense. De imediato, vale destacar, algumas vozes da imprensa violaram a ética jornalística ao se referir às vítimas como bandidos. Um comportamento típico do discurso do jornalismo policialesco. Nenhum dos mortos tinha passagem pela polícia ou qualquer envolvimento com ações criminosas. E ainda que tivesse não justificaria serem assassinados. Mas a grande maioria não abandonou o compromisso com o interesse público, entendeu a gravidade do caso e as possibilidades de abordagem ao longo de quase oito anos.

 
Nesse período, mulheres periféricas sem nenhum ou pouco histórico de luta por direitos humanos passaram a ter no vocabulário cotidiano palavras como memória, reparação e justiça. Se auto-organizaram, lançaram um livro, um audiolivro, se articularam nacionalmente com movimentos de mães de outros estados, foram a Brasília. Seguiram incansáveis contando a história de vida de seus filhos e parentes vítimas da chacina enquanto reescreviam suas próprias histórias.

Cobrindo o júri

Nas 63 horas de sessão, profissionais de imprensa se revezavam no Fórum Clóvis Beviláqua em busca de imagem e declarações das mães e familiares de vítimas da chacina, de movimentos sociais e observadores nacionais que vieram ao Ceará acompanhar o júri: Anistia Internacional Brasil, Conectas Direitos Humanos, GAJOP-Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares e Ministério dos Direitos Humanos.

Três coletivas de imprensa foram realizadas pelas Mães: uma antes do início do júri, outra horas antes da sentença e uma após o veredito. Profissionais que cobriam remotamente de outros estados – como a Ponte Jornalismo e o Mídia Ninja – tiveram acesso a um Google Drive com release, fotos e vídeos de arquivo do movimento Mães e Familiares do Curió. Ao longo dos seis dias, recebiam áudios e vídeos das coletivas enviados pela assessoria de comunicação das Mães.
 
A assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) criou um hotsite (https://juri-curio.tjce.jus.br/) por meio do qual era possível acompanhar minuto a minuto o julgamento, entender o funcionamento de um júri, a cronologia do crime e os dados dos processos. Apenas profissionais da comunicação do TJCE tinham permissão para fazer fotos e vídeos dentro do salão do júri, compartilhadas em seguida no site especial. Elas eram feitas de forma a garantir a preservação da identidade de sobreviventes e testemunhas da chacina. 
 
Criado cerca de um mês antes do primeiro julgamento, o perfil @11docurio nasceu da reunião de assessores de comunicação da Defensoria do Estado (DPE), Ministério Público do Ceará (MPCE), Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa e Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará). O objetivo era publicar conteúdos relembrando o caso, mobilizar a sociedade em apoio às Mães e Familiares do Curió, e repercutir notícias e manifestações de apoio. O desenho de um curió , ave que deu nome à região onde ocorreu a chacina,  virou o elemento principal da identidade visual do perfil @11docurio, sendo até mesmo apropriado em uma charge de um dos maiores jornais cearenses. O caso ganhou também um site: https://11docurio.com/
 
Um caso de tamanha violência, que envolve tantas vítimas, sobreviventes, testemunhas e famílias, requer do jornalismo ainda mais responsabilidade, apuração e delicadeza. O trabalho respeitoso e colaborativo entre assessorias e redações mostrou, ao meu ver, no caso Chacina do Curió, um compromisso mútuo em entregar conteúdo relevante de interesse público – uma das razões de existir do jornalismo. São profissionais de texto, áudio, social media, design, programação, fotografia e vídeo contando esse que é o maior júri da história da justiça cearense e  um dos maiores do país em todos os tempos.

Jack de Carvalho: é jornalista,  filiado à Associação Cearense de Imprensa (ACI) e ao Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce). Acompanhou presencialmente as 63 horas do primeiro julgamento da Chacina do Curió.

Fonte da foto: Divulgação